domingo, 11 de novembro de 2012

Se as crianças estão juntas...

6-5-2012.Estádio Olímpico João Havelange.

As viagens de trem na cidade do Rio de Janeiro são de uma singularidade ímpar. Não sei de outra cidade brasileira com um sistema de trens tão duradouro e ainda tão importante. A grande periferia carioca, os ditos suburbanos, convivem todo dia com a realidade dos vagões barulhentos, mal cheirosos. Lembro da primeira vez que andei em um, eu que era para fins práticos um jovem curitibano(cidade na qual, até o presente momento, os ônibus são o único transporte público), e justamente estava indo para um jogo. Um primo meu ria do meu espanto com o trem fantasma.

Ambulantes entram para vender o mais variado tipo de artigos, desde os simples doces até brinquedos e o que pode soar estranho para quem não é daqui, até kits de costura, com linhas e agulhas. Simples leis do mercado. A senhora que trabalha fora(nada como a falta de dinheiro para tornar a mulher automaticamente "independente"), e no fim do dia descobre que o uniforme das crianças está rasgando, de tão velho. Não há tempo pra ir atrás de material para resolver o problema. Nesses casos as "joelheiras" de couro, costuradas sobre a calça da escola, acabam sendo uma alternativa recorrente também. Famoso jeitinho brasileiro, empurrando com a barriga até a coisa ficar possível de ser resolvida.

Estação do Engenho de Dentro, saída de um jogo pouco movimentado (menos de 30 mil pessoas).


Como diz um professor meu, é interessante analisar o rosto das pessoas que desembarcam na Central do Brasil(sim, aquela do filme, que é tão ou mais caótica do que fora mostrada nos cinemas). Todas modorrentas, num desânimo de contagiar. O pobre é muito trabalhador. Só sendo assim para se ter a paciência de viajar por horas em condições degradantes, todos os dias. Curioso é o contraste destes momentos com os dia de futebol no Engenhão: sempre cheios de ânimo, ou mesmo revolta, mas invariavelmente com reações firmes. Mais interessante ainda são as oportunidades em que os dois grupos se encontram, especialmente nos jogos nas tardes de quarta feira. Pelos problemas que merecem ser tratados à parte em outra postagem, não é de se espantar(mas de se indignar) que a carga de trens tenha sido quase a mesma que a de todo dia, mesmo com um evento de grande público no dia. Não vou dar uma de classe-média chorona, que só reclama quando a coisa respinga nele, mas é algo a se pensar para um país que pretende abrigar no Engehão a maior parte do atletismo em 2016. 3 horas de trem lento e lotado, para ver o Usain Bolt chegando rapidamente e solitário na frente do mundo.

Mas como falei, isso é assunto pra mais que um parágrafo. O que eu realmente gosto de pensar são nas histórias vividas dentro dos trens. Sim, porque toda aquela atmosfera da velha escola, com a cerveja na frente do estádio, os relatos dos coroas, a marra de alguns mais novos, a alegria da juventude que só quer errar(há coisa mais divertida e animadora que errar?), tudo isso também tem o transporte público como grande elemento. Principalmente no Rio de Janeiro, com a tradição da Zona Sul de deixar o carro em casa e ir de metrô pro Maracanã, de trem pro Engenhão. Outros estádios são um caso à parte.

E neste contexto, eu me lembro com carinho da passagem curta que conto agora. Estava eu seguindo para o clássico, encostado na janela. Não sou o maior dos conversadores no trem, a não ser que esteja com algum amigo; meu lado social fica mais exposto nos arredores do estádio. Mas eu sou muito observador, não que esta seja uma característica sempre positiva. Em um destes momentos, ouvi uma criança cantando uma música de estádio. Olhei. Trajada à caráter, o menino errava toda a letra, e por horas, percebendo, cantava um "lalala" nos trechos não decorados. Talvez com ingressos mais acessíveis(coisa não vista por essas bandas), ele já estivesse respirando o clima do estádio. Ou não, porque nessa fase o jogo é pura brincadeira. Não há preocupações com o resultado, o choro de um dia rapidamente se esquece no outro. Reparei que outros pequenos também se agarravam aos pais, com as cores de seus times. Me alegra. Que homem, torcedor, não tem sonho de levar uma criança(sobretudo meninos, já que por mais que se saiba que essa paixão está acima desta questão de gênero, a sociedade faz questão de mal ver as meninas que se incluem em tal ambiente viril), não sonha em lhe apresentar as cores de sua vida? Eu não almejo ter filhos, pelo menos não na minha visão de mundo atual. Mas esse seria um ponto muito positivo. Um moleque pra ficar cantando a letra errado, assoprando ou balançando algum instrumento barulhento, pra balançar uma bandeirinha de camelô.


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